segunda-feira, 31 de maio de 2010

MEUS PRIMEIROS TROPEÇOS NO AMOR


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Quase sempre nos pomos a matutar sobre a vida quando a temos corrida por longos anos ou então se as tropelias são tantas em tenra idade que fazem jus a isso. Para mim, a primeira hipótese é a correta. E algumas reminiscências hoje me fazem rir, e creio que também a quem ler esta crônica.

Era costume entre os adolescentes de minha turma, para ganhar confiança e “chegar junto” na gata em uma festa tomar um copo americano da mais pura aguardente. Eu sempre ia às festas na companhia de dois ou três amigos inseparáveis, colegas de turma do colégio. Éramos tão amigos que quando um levava chifre da namorada os outros três sentiam juntos a dor de corno. Andávamos a pé, a cidade pequena colaborava. No grande largo onde ficava o colégio, uma construção secular em forma de U com calçada alta e pátio central, acontecia a maioria das festas. Nas ruas em volta as biroscas eram muitas, onde eu e meus colegas fazíamos fila entre os outros fregueses para “um copo de coragem”. Depois de virar o copo de um só trago e sem intervalo para o fôlego, pedíamos ao bodegueiro vários chicletes de menta para escamotear o bafo. Se resolvia, não sei; mas as meninas nunca reclamavam de nada.

Aos dezesseis anos incompletos, primeiro ano fora de casa, era ainda completamente xucro em matéria de amor. Elaborava então lentamente uma complexa técnica para as instâncias amorosas: simulava beijos de língua na pele das costas da mão que deixavam marcas roxas; ensaiava a abordagem e vários diálogos que não permitiam brechas para uma recusa; enfim, satisfeito, aprovava e repassava amiúde como uma lição a minha própria teoria amorosa. Pobre do Ovídio, se já o conhecesse àquela época, estou convencido que eu desdenharia com soberba de sua “obsoleta” técnica da Arte de Amar.

À revelia do conhecimento do axioma do poeta romano de que o amor obedece a uma técnica, chegara a essa mesma conclusão por conta própria. Faltava pôr meu arcabouço técnico à prova. Não faltavam oportunidades. Durante os festejos juninos no colégio surgiu a maior delas. Encontrei-me com os indefectíveis amigos no grande largo. Cumprimentamo-nos e eu, como chefe presuntivo, perguntei: “Treinaram muito? Hoje aqui tem que dar certo!” Eles mostraram obedientes as costas das mãos. Estavam todas cheias de manchas roxas. “Então vamos lá”, convoquei-os. E fomos à birosca para o trago de sempre.

Não preciso dizer que estávamos mesmo era a fim de agarrar cada qual uma gata. E tinham muitas na festa. Cheguei a sentir arrepios de medo de um fracasso. Com tantas mulheres disponíveis, qual seria a desculpa para um fracasso? Não comentei, mas tenho certeza que era essa a mesma preocupação de meus colegas. Ainda fiz uma última recomendação: “Convidar para dançar é o começo de tudo; depois é grudar qual carrapato e não largar mais”. Com um sorriso nervoso, um trêmulo sinal positivo com o polegar e um tapinha de encorajamento nas costas de cada um deles, partimos para a abordagem.

Não foi difícil convencê-las a dançar. Nem ficar grudado. Mas inexperientes que éramos, o que mais queríamos era que a banda não parasse de tocar para não nos embaraçarmos com as preciosidades que tínhamos nas mãos. Aqui e acolá palavras e frases perdiam-se na confusão dos casais dançando e do som estridente acima de tudo. A comunicação fazia-se em mímicas de risos e olhares furtivos. Estava com um baita medo de outro fracasso. Medo de dançar, dançar e dançar como em outras vezes e depois tchauzinho!...e nada mais. Dessa vez não seria assim.

Quando vi que o sol queria levantar-se no horizonte, forcei a barra. E não é que deu certo? Ela beijou gostoso. Puxa vida! Quase fui ao outro mundo. Tive vontade de amputar a mão para nunca mais beijá-la. Como era áspero um beijo de língua na mão. E como era quente, ardente, molhado e macio um verdadeiro beijo de língua.

A essas alturas sentia-me já o maior conquistador do mundo: “mulheres, prostrai-vos aos meus pés!” Corri o salão para ver como iam se saindo meus amigos. Estavam também eles pelos cantos embeiçados com outras meninas. Duas moravam no centro da cidade e a minha e a de outro colega nos arrabaldes da cidade. Parecia uma desvantagem, mas não era. Íamos os dois levá-las em casa e nos acertos para tanto surgiu a sedutora proposta de, como diz Mário de Andrade em Macunaíma, “brincar” um bocado na cama. A minha garota - lembro o nome dela até hoje, Sheila, esguia, cabelos compridos e uma voz que denunciava mais experiência que todos nós juntos - foi quem fez o convite. Despachamos os dois outros com as namoradas, piscamos olho para eles como quem diz “outro dia vocês têm chance igual” e fomos levá-las a pé. Eram mais de quatro quilômetros na escuridão de ruas sem calçamento, afastando os cachorros madrugadores e cruzando com o povo que seguia para a feira dominical na praça do Mercado. Mas a recompensa final valeria qualquer sacrifício. Estávamos já de camisa aberta, o peito ao vento pegando sereno. A mão da garota insinuando-se pelo meu corpo todo e também a minha em frivolidades pelo seu, sem reserva nem pudor. Na cabeça, um pensamento constante: “É hoje! É hoje!”

A minha garota dizia morar com a avó e assegurava que ela estava viajando. Nada melhor, pensava eu. Depois de muito andar pelo ermo, onde quase não se via mais casa alguma, a palidez do sol já borrando o horizonte, chegamos a uma casinhola. “É aqui”, disse Sheila. Dei-lhe um abraço apertado, mas ela desvencilhou-se de mim. “Vou conferir se não tem ninguém; esperem aqui”, disse. Aproximou-se da casa, bateu repetidas vezes à janela lateral e a folha de madeira pouco depois se abriu. Um rosto encarquilhado assomou no espaço da janela.

Sheila virou-se para nós, disfarçando a certeza de saber que havia gente na casa: “Ela já voltou de viagem...tchau!”, e sumiu com a colega dentro de casa rapidinho depois que a porta se abriu.
Voltamos com cara de otário para a cidade, seguindo a romaria de feirantes que iam à praça do Mercado.
A preocupação agora era outra. O amigo me perguntou: “E o que vamos dizer aos outros dois?” Pensei um instante. “Vamos dizer que rolou legal”. Ele concordou com um sorriso triste: “Combinado”.



Nem Dom Juan nem Casanova

2 comentários:

  1. Gostei de tua escrita ...

    Tudo de bom, escrever este tipo de memórias ...

    Em meu blog, falo do hoje e falo mais de meu estado interno ... Mas se contasse minhas 'histórias sexuais de vida' ( e, porque não, afetivas,) eu também teria que fazê-lo de forma anônima ... Como ousar fazer isso escancaradamente?

    E quanto ao tema morte ... Estamos todos a sua mercê: podemos encontrá-la a qualquer momento ... E quem não sabe disso, não vive sua vida em plenitude ...

    Abraços, querido!

    P.S.
    que bom que chegaste ao meu blog, assim terei oportunidade de te ler ...

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  2. Obrigado pela visita. Com certeza também a visitarei. São das coisas complexas com as quais lido. Essas confidências e a morte. Com referência à última, todos teremos que lidar com ela um dia, cedo ou tarde. O interessante no ser humano, e que nos permite viver, é a adaptação a tudo.
    Um grande abraço

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