sábado, 29 de maio de 2010

MINHA PUTA QUERIDA


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O sexo nos obriga a situações que só o vício explica. Depois que descobri as suas delícias com Maria não quis mais parar. Mas ao desprezá-la para sair com amigos, abandonando-a nua na cama vertendo tesão por todos os poros, ela renhiu luta comigo. Diante de suas recusas tive que me valer do mesmo expediente de outros adolescentes amigos meus: recorrer aos bordéis da cidade, conhecendo a luxúria e a indigência humana em seu mais baixo grau. Ficavam todos à beira do movimentado rio em ruas que acabavam de repente sobre o barranco alto da margem. Outros sumiam em ruas quase intransitáveis, as casas miseráveis escondidas entre touceiras de capim e mato. A fauna humana do local era a mais triste possível. A degradação tornava homens e mulheres seres repugnantes e os nivelava miseravelmente. As crianças, filhas do comércio espúrio do sexo, vagavam dia e noite pelas ruas, nuas, as barrigas dilatadas de verminoses, os cabelos duros de poeira e piolhos. Pediam moedas a quem passava para comprar guloseimas. Os homens que moravam no local ou frequentavam as putas eram barqueiros, estivadores e velhos funcionários do porto decaídos pelo álcool ou a aposentadoria forçada por doença ou acidente.

Neste ambiente encontrei Lucrécia.
A primeira vez que por lá estive foi causa de surpresa para ela. Era noite. Entrei na casa, o soalho de madeira velha e carcomida — a casa equilibrava-se num barranco — rangeu sob meus pés. Aguardei em pé, retraído e sem fazer barulho, aparecer alguém. Por pouco tempo. Da penumbra de um cômodo vizinho surgiu uma figura feminina que melhor teria feito não se revelando na pouca claridade da lâmpada da sala. Era Lucrécia. Uma mulher de aproximadamente trinta anos, mas aparentando mais dez. Os cabelos desgrenhados davam-lhe um ar de louca. Quando sorriu surpresa, mostrou falhas na boca pela ausência de dentes.

— O que deseja? — disse sem acreditar no que via. — Não estranhe, o barulho das tábuas é o alerta da chegada de gente — e completou: — Você não está perdido? O que faz num cabaré vagabundo desses um menino lindo assim e tão bem vestido?

— Eu...eu.

— Já sei. É mais um que quer dar a primeira foda — e deu uma gargalhada que fez surgir uma criança do cômodo de onde ela saíra. Lucrécia deu um grito e a criança voltou apressada.

Constrangido, com uma tremenda vontade de dar meia-volta mas impossibilitado pelo que ela poderia pensar, aguentei firme e balbuciei:

— Não...eu já...

— Ótimo — ela me interrompeu. — Assim eu perco menos tempo, menino. Você quer mesmo trepar com essa velha aqui? — e correu a mão direita diante do próprio corpo, da cabeça à cintura, como se apresentasse um produto.

Meu gesto afirmativo de cabeça foi suficiente para ela.

— Quer uma bebida?

Neguei com a cabeça.

— Quer no quarto ou aqui mesmo?

— Aqui?

— É. Realmente você não é freguês de cabaré. Menino, aqui se trepa na sala com a porta aberta, no quarto com os pirralhos ao lado, na cozinha, no quintal. Onde der vontade ou onde o freguês quiser. É assim.

—Pode ser no quarto.

Ela me pegou pela mão e disse vamos.

Olhei para a porta aberta, ela compreendeu meu movimento de cabeça e me tranquilizou.

— Fica aberta assim mesmo, aqui não tem nada pra roubar. E é bom pois o próximo freguês pode entrar e esperar.

Percebendo o meu constrangimento, com um grito ela escorraçou a criança que estava deitada numa das camas ordinárias do quarto e se mostrara pouco antes para mim.

— Coitadinha, vai sentir minha falta — e justificou: — Ela sempre brinca aqui enquanto eu trepo com os clientes.

Lucrécia abriu a janela do quarto para entrar a aragem fresca vinda do rio. Com rapidez profissional me despiu e cravou em meu corpo olhos gulosos de quem não estava habituada a deliciar-se com carne tenra no almoço.

Deu um grito de êxtase antes de abocanhar a minha pica, dizendo sem pudor.

— Menino, já havia esquecido como é gostosa uma pica novinha assim.

* * *

Lucrecia cobriu-me de regalias a partir do segundo encontro. Ela mesma fez a proposta enquanto me tocava o corpo nu como se procurasse avaliar o incalculável tesouro que tinha às mãos.

— Menino, venha agora só às segundas-feiras.

—Ora, mas por quê? Sou cliente e venho quando quiser.

Ela sorriu mostrando a dentadura falhada. Levantou, amparou as costas na grande janela aberta para o rio. Eu colei nela olhando a água escura.

—Você não entendeu...é que segunda-feira é dia de folga aqui. E vindo nesse dia você não vai mais pagar.

—Agora é grátis, é? — comemorei olhando os barcos fundeados além do trapiche. Borrões escuros na forte neblina que quase só permitia ver as luzes baças de sinalização sobre as cabines.

— É sim, pra você é...Mas só pra você.

— E por quê?

Lucrécia tinha sentimentos como toda mulher, reprimidos e quase esquecidos pela dureza e os desenganos da vida, agora trazidos à tona com a força de quem busca ar para os pulmões após longo mergulho no rio.

Afastou-se da janela, virando o corpo magro que já não me causava repulsa. A luz exterior iluminou-o, realçando o tufo escuro de pelos da buceta. Os olhos estavam cheios de lágrimas, causando-me surpresa e comiseração.

— O que houve, você está chorando?

Limpou os olhos com as mãos. Percebi que a sua angústia era maior que a minha quando ali estivera pela primeira vez.

—É que você me lembra o meu primeiro namorado, só isso.

Aproximei-me dela, mas ela se esquivou ao abraço pedindo que fosse embora e voltasse outro dia. A revelação deixara-a abalada e envergonhada. No íntimo achava impuro o seu sentimento apaixonado e ela, uma puta da beira do rio, indigna de nutrir ilusões por um rapaz de uma das mais tradicionais famílias da cidade.

Um pouco que seja de esperança é capaz de obrar verdadeiro milagre num ser humano. Lucrécia que o diga. Passou a esperar-me às segundas-feiras na porta de sua casa, não raro em passos nervosos na calçada.

Penteada, melhor vestida, unhas pintadas, esforçava-se para obter uma postura corporal que não denunciasse sua profissão. Aos meus olhos tornara-se uma figura caricata, mas eu nada dizia porque via a felicidade estampada no rosto dela. Além disso, embriagava-se com o poder. Sim, de certa forma diante das outras prostitutas ostentava poder, pois elas olhavam-na de suas janelas com despeito e inveja. E na sua lógica aquilo tudo tinha sentido já que poucas podiam ostentar um romance com um jovem da classe alta.

Na cama, valia-se de todos os artifícios da profissão para nunca se repetir nem tornar o nosso encontro tedioso. E após atingir o orgasmo entre gritos vigorosos, relaxava, encolhendo-se na cama como gata que espera carinho. Depois de massageada por minhas mãos ou meus pés, não raro vertia amargura em longas narrativas de sua vida errante. Para me segurar um pouco mais ali, enchia-me de cerveja que buscava na geladeira da cozinha. É tudo grátis, meu bem, dizia enquanto vagava pelada pelo casebre.

Um dia mirou o rio da janela e confessou:

— Já lancei três anjinhos no rio.

— Afogou aí três crianças? — alarmei.

— Não, bobinho — e correu as costas da mão em meu rosto. — Eu joguei aí três crianças que abortei. O rio é bom, é a nossa salvaguarda, não reclama de nada.

* * *

Um dia cheguei todo emproado à casa de Lucrécia, encontrando-a fechada. Bati à vizinha, que me perguntou:
— Você não sabe?

— Não, o quê?

— Um cliente matou-a de faca porque se negou a trepar com ele. Ela disse que ele fedia. Parece que já estava se acostumando com coisa boa — e me lançou um olhar de través. — Ainda tentou escapar, correndo para mergulhar no rio. Mas o homem era pescador, e bom nadador, sangrou-a na água rasa.

— E o corpo? Levaram o corpo pra onde? — perguntei muito abalado.

— Pra roça, é lá que mora a família dela.

E ela que sempre me dizia: “o rio é bom, é a nossa salvaguarda...”

Nem Dom Juan nem Casanova

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