sexta-feira, 28 de maio de 2010

AS DUAS MENINAS

Foto: http://fatossurreais.files.wordpress.com/2009/07/cdep.jpg

As mulheres são pouco solidárias quando disputam entre si o amor de um homem. Ainda jovem descobri isso em relacionamento simultâneo com duas meninas amigas, vizinhas de condomínio. Eu fazia faculdade e morava sozinho num prédio baixo, três ou quatro andares, próximo ao horto florestal. De tempos em tempos minha mãe vinha do interior visitar-me; e mensalmente recebia a mesada no banco. O horto abrigava um zoológico e quando eu acordava na madrugada, pensando como iniciar e manter uma transa secreta com as duas, ouvia os fortes rugidos dos leões como advertência. Não sei se reclamavam de fome — eram correntes na imprensa as denúncias de maus tratos aos animais do zoo — ou sonhavam com a liberdade caçando nas quentes planícies africanas. O certo é que também me sentia como eles, sem saber fugir à situação de ter que administrar um romance com cada uma.

Eram tão amigas — unha e carne —, é verdade! Qualquer descuido meu poria a perder aquela bela amizade iniciada na infância. Nasceram naquele prédio, ali tomaram os primeiros banhos de sol, deram os primeiros passos no playground sob os olhares protetores das mães. Quando chegou o tempo, iam juntas à escola. A diferença de idade entre elas era mínima: um ano. Davam, quando eu apareci na vida delas, os primeiros e inseguros passos no amor. Eu não podia, um intruso recém-chegado, pôr tudo a perder. Até a adolescência somos românticos e idealistas, daí em diante a ética recém-aprendida sofre as agressões do oportunismo. Deforma-se, moldando com o tempo o ser dissoluto. E sabe por que digo isso? Porque hoje estou livre das veleidades morais que me consumiram horas e dias que podiam ter sido mais bem aproveitados com as duas na cama.

Uma era a Tábata, morena, cabelos longos e lisos, uma Sophia Loren adolescente. Tinha dezenove anos quando a conheci. A outra, branca, magra, cabelos castanhos ondulados, sorriso grande e fácil no rosto anguloso, era a Márcia. Mais nova um ano que a Tábata. Nos finais de semana andavam atrás de mim. À época eu tinha vinte e dois anos. Ia à faculdade e a todas as bibocas da cidade em uma moto preta que elas babavam para dar uma volta. Era eu descer do apartamento para lavar a moto — muitas vezes era só simulacro para atraí-las — e logo as duas apareciam. De início, da parte delas, era apenas papo, coisa de adolescentes. Como começasse a elogiá-las, foram gostando e eu ganhando intimidade. Houve um tempo que nossos olhares se cruzaram e percebi que haviam mudado. Quando sorria e olhava para elas, as duas tinham a fisionomia séria, o olhar profundo, um sorriso que a paixão segurava a custo para não se expandir. Era o sentimento inseguro se manifestando, querendo gritar, mas reprimido pelo receio de um fora. Relutei em corresponder até cavilar como administrar casos simultâneos sem que descobrissem e me deixassem. Foi o período de companhia garantida dos leões do zoológico nas madrugadas.

Encontrei afinal uma fórmula.

Tábata estudava pela manhã o cursinho para o vestibular; havia prestado o exame uma vez e não passara. Márcia concluía o ensino médio à tarde. Durante o dia, no correr da semana, podia encontrar-me separadamente com as duas se quisesse. E quis. O primeiro encontro foi com Tábata à tarde na calçada do prédio, à sombra do maciço de árvores que se alvoroçavam sobre o gradil do horto. Convidei-a para ir ao meu apartamento, segui adiante e alguns minutos depois ela chegou. A primeira vez foi só uma conversa e alguns beijos. Lembrei que Márcia não podia saber de nada e ela concordou sacudindo apressadamente a cabeça. A primeira parte do plano estava concluída. Faltava Márcia. Só consegui atraí-la ao apartamento uma semana depois. Sem qualquer acordo tácito, o final de semana foi uma prova de fogo para nosso plano. Quando encontrei as duas, no sábado, receoso de que Tábata estragasse tudo, ela me surpreendeu dando um show de interpretação. E deixou-me completamente à vontade. Não avançou sobre mim, não me beijou, fez tudo como Márcia — dois beijinhos no rosto, e só.

Levei Márcia ao apartamento dias depois pela manhã enquanto Tábata digladiava no cursinho com fórmulas matemáticas, senos e cossenos. Se Tábata era mais comportada, a amiga branquinha era atirada. Logo de cara sentou no meu colo e pregou em minha língua. Depois de feito o trato, antes de descer, teve a audácia de abraçar-me e gemer em meu ouvido dizendo que se masturbava quando acordava de madrugada pensando em mim. Eu lhe disse uma meia verdade: “eu luto com os leões do zoológico enquanto penso em você, já os ouviu?” Ela disse que sim. E foi embora.

Que duas meninas fantásticas!

A primeira vez de Tábata foi comigo, ficou assustada, mas eu disse: “tudo bem, tudo bem. É assim mesmo”. Já Márcia não era mais virgem, embora mais nova. Confessou-me que um primo, um ano antes, na fazenda do avô embrenhou-se com ela pelos matos durante as férias da família. Ele não morava em nossa cidade, daí a sua angústia para voltar a transar. Enquanto morei no prédio, transei com as duas sem que uma suspeitasse da outra. Pela manhã era Márcia que se deitava em minha cama. Como dizia minha mãe, “é de pequeno que o espinho traz a ponta”. Eh, menina sapeca. Aprendeu tanto a gostar de sexo anal que não abria mão de fazer em nenhuma visita.

Após a minha formatura fui embora da cidade e não sei como se arranjaram a partir daí. Mas, com o potencial que tinha, Márcia deve ter se tornado uma mulher fatal. Tábata era seu oposto, mais carinhosa, gostava de beijar na boca enquanto fazia amor e de palavras doces ditas baixinho no ouvido enquanto fodia. Chorava ao alcançar o orgasmo. Isso era o bastante para eu passar meia hora beijando-a e acariciando todo o seu corpo.

Era como se acalmava das convulsões pós-orgasmo.

Impressionei-me por todo o tempo em que nos relacionamos com o grau de discrição delas. Durante a semana o atendimento era individual, personalizado. Nos finais de semanas, como eram boi e canga, a intimidade — a muito custo de minha parte — cedia lugar ao relacionamento amistoso, às conversas fúteis, aos beijinhos no rosto. Nunca se deixaram trair por uma palavra mal colocada num diálogo, por um gesto denunciador em nossos encontros coletivos.

A tal ponto chegou a nossa cumplicidade que algum tempo depois quando fui trabalhar como locutor noturno de uma rádio, inventamos pseudônimos para as duas. O programa era romântico e ao oferecer uma música para Sophia Loren, Tábata sabia que era para ela. E quando dizia Olívia, numa alusão à semelhança com a Newton-John, parceira de John Travolta nos Embalos de Sábado à Noite, Márcia sabia que falava dela.
Se após eu me mudar de cidade elas revelaram o embuste, não sei. Sei apenas que enquanto durou o nosso relacionamento uma nunca foi confidente nem aconselhou a outra nas mágoas e decepções amorosas.

Nem Dom Juan nem Casanova

Nenhum comentário:

Postar um comentário