terça-feira, 25 de maio de 2010

GERTRUDES


Foto: http://media-cdn.tripadvisor.com/media/photo-s/01/27/3d/ea/copacabana-beach-view.jpg



A minha janela dá para a rua. Uma visão sobranceira, como se olhasse para fora de cima de uma grua. É por ela que vejo um retalho da cidade, as pessoas surgindo de repente, do nada, invadindo meu campo de visão, caminhando alguns metros na rua, sumindo depois inexplicavelmente. Os carros, velozes, são apenas um borrão de cor atravessando o quadro. Apenas o mar é permanente, espraia-se ameaçando a cada onda invadir meu recanto. Mas para chegar a mim é preciso ter sufocado muita gente abaixo. Um inútil consolo esse de só morrer após o sacrifício de um bando de gente. As pessoas indefesas são as que mais urdem esses trágicos pensamentos. Mas só presto atenção lá fora quando por algum motivo perco a concentração diante do PC. A minha máquina fica, pois, diante da janela. Não é um estorvo essa disposição, é proposital de uns tempos para cá. Como ultimamente perco demasiado a concentração, pu-la ali. Nessas horas em vez de pensamentos aziagos, distraio-me com as cenas cotidianas.

Estava há pouco num desses momentos de tédio, os olhos fora na rua, querendo exceder os contornos do quadro pois nem isso me distrai mais. A tela do PC sem uma palavra no Word, a barrinha vertical pulsando à margem disposta a correr na linha inexistente. Procurava a duras penas arrancar da cabeça uma das minhas muitas histórias de infidelidade para pôr neste blog mas estava difícil. O telefone tocou. Foi a salvação para tanto tédio. Era um amigo meu, o Fernando. Ligava para saber de minha saúde, mas também para me injetar ânimo falando da Gertrudes.

— Que Gertrudes? — perguntei ainda entorpecido pela falta de ânimo e o cansaço da tosse. O médico disse que isso é comum na minha doença.

— Aquela, pô, que você pegou por um tempão. Disse-me que a conheceu na praia, lembra agora?

Silenciei um tempo na linha, pensando. Esse nome não era comum no meu rosário de mulheres. Não seria difícil lembrar. Súbito uma centelha.

— Ah, sim, lembrei. Que tem ela, morreu?

— Não, cara — sorriu o velho camarada do outro lado —, ela está de volta ao Brasil. Morou com o marido brigão muito tempo no exterior.

— Ah, tá! — não consegui imprimir ânimo às palavras.

Ele percebeu à distância e procurou me reanimar.

— Quem sabe você consegue pegá-la de novo. Ânimo, rapaz! Ela ainda é um pedaço de mal caminho, encontrei-a no Shopping.

— Tá bem, vem depois aqui e conta tudo, tá? Vou desligar, tenho que tomar meu remédio — e desliguei quase sem dar tempo para as despedidas.
Como estou sem muito ânimo mesmo depois eu conto sobre a Gertrudes. Ah, a Gertrudes!



Nem Dom Juan nem Casanova

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