quinta-feira, 3 de junho de 2010

BEATRIZ - PARTE II



Movido por um sentimento que oscilava entre o despeito e a excitação, pus em prática meu dotes de detetive amador atrás de Beatriz. Onde encontrá-la senão no supermercado? Seria de pouco siso ir ao escritório do marido pedir informação sobre ela. Talvez um homem inexperiente, ou possesso, cometesse tal desatino; eu não. Mesmo depois da volta de minha esposa do congresso médico, fiz questão de retornar às compras. Não quis sequer que me acompanhasse. Ela comemorou minha decisão como uma vitória. Estaria definitivamente me tornando um homem afeito às coisas domésticas, ela inclusa? A resposta foi uma careta que, no estado beatífico em que ela se encontrava, interpretou como um sim. Ainda que eu chorasse, veria nisso um sim.

Nas três primeiras vezes nem rastro de Beatriz. Ficava horas no supermercado, zanzando nos corredores, atento a todas as mulheres que passavam. Depois conto sobre outros romances que surgiram enquanto a procurava. Estava quase desistindo quando na quarta vez ela apareceu. Mas, puta merda!, acompanhada do marido. Não sabia se a companhia dele era usual, pois só a tinha visto uma única vez, e sozinha. Botou em mim os mesmos olhos dissimulados que suplicavam que fosse possuída e passou no corredor apertado se esfregando em meu corpo. Voltou, olhou para trás, enquanto o marido aguardava desligado do mundo, talvez esmiuçando mentalmente seus processos; uma vez mais disfarçou procurar preços na prateleira. Era a rainha da dissimulação, apenas os seus olhos não conseguiam mentir. Se os fechasse, era a mais casta de todas as mulheres. Mas iria puder fisgar seus amantes de olhos fechados? Impossível.

Segui-a por vários corredores. Ela parava, eu também. Quando voltava o rosto para me ver, tinha o mesmo sorriso mordaz nos lábios e o irritante olhar duro e dominador, que parecia gritar uma ordem: “vem meu cachorrinho, vem!” Excitava-se, não resta dúvida, de sentir-se desejada na presença do marido. E ainda mais de sentir-se flertando com outro homem na sua presença sem que ele percebesse. Provável que já estivesse com a xoxota molhadinha, desejando pica.

Depois de muitas esquivas, resolveu permitir a minha abordagem. Disse com voz melosa ao marido:

— Benzinho, vá para o caixa que ainda vou pegar uns xampus que estão faltando.

Ele foi para um lado e ela para outro. Eu atrás dela, empurrando meu carrinho ainda vazio, tamanha era a minha concentração. Lá pelo terceiro corredor, de onde ele não mais podia nos ver, ela cessou os passos elegantes à espera.

Eu soltei os cachorros, ofegante.

— Você é uma sacana...

Antes que eu completasse a frase, elegantemente, pedindo que abaixasse o tom porque estávamos num lugar com muita gente, ela afetou ignorância.

— O que houve, esperei e você não ligou.

—Faz de conta, né?! Você me deu um cartão de seu marido. Queria que ligasse para ele e o chamasse de benzinho? — disse com rispidez e deboche.

Ela pareceu gostar de minha pegada. Derramou um olhar libidinoso, que escorria pelos cantos dos olhos, como o das putas que encenam prazer numa brutal penetração.

— Oh, amor! Desculpa, deve ter sido a pressa. Sabe como é, tanta gente na hora, fiquei nervosa.

Antes que eu apontasse uma solução para o mal entendido, ela antecipou-se propondo uma saída.

— Que tal um encontro na saída da cidade, naquele posto verde e amarelo?

Mas era muito longe, eu disse. Não poderia ser mais perto? A sua negativa de cabeça não deixava opção, ou era aquilo ou nada.

E para apressar-me, ameaçou:

— Responda logo, o meu marido pode voltar pela minha demora.

Combinei dia e horário e vi afastar-se com o mais casto dos andares. Pelas costas era uma irrepreensível dama que só o olhar denunciava as habilidades no jogo da sedução. Voltei para casa com a sensação de uma vitória pirrônica, ou melhor, de ter sido novamente levado no bico.


Nem Dom Juan nem Casanova

7 comentários:

  1. Caro,

    Ao contrário dos politicos, eu prometo e cumpro.
    Como tal, cá estou a fazer o comentário que prometi.
    Li todo o blog de uma assentada. Gostei mesmo.
    Mas quando eu digo mesmo, é mesmo, mesmo!

    A escrita está elegante, fluida.
    Continuarei, sem duvida a acompanhar as memórias.

    Um Abraço

    :)

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  2. Obrigado amigo. Sei que também ao contrário dos políticos você usa a sinceridade... Isso é bom.
    Gostei do espaço para interagir com os colegas sobre temas afins. Gostaria que fizéssemos uma grande rede. Como?
    Seguindo uns aos outros, lincando uns aos outros e trocando ideias nos blogs. Seria uma ótima promoção e movimentação para todos nós. O que acha da ideia? Principalmente com blogs que escrevem temas eróticos.
    Um abraço.

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  3. isso já é o que eu faço, consciente ou inconscientemente, ao linkar os blogs que, de alguma forma, me interessam.
    Quanto a trocas de ideias, estou sempre aberto e disponivel. Aliás, basta ver os formulários de comentários do meu blog :)

    Abraço

    :)

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  4. Sim, amiga. Um grande artista italiano que junto com Toulouse-Lautrec têm um traço moderno despojado que os aproxima dos artistas gráficos de hoje.

    abração

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  5. li o texto só agora
    adorei
    a sessão dos shampoos é sempre
    perigosíssima

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